
Cerca de dois anos depois de decretar emergência no transporte, após vetar a circulação de 74 ônibus da Viação Vitória, que acabou indo embora, e mais de um ano depois de começar a operar diretamente as linhas, com ônibus alugados a um custo de mais de R$ 2,5 milhões por mês, a Prefeitura renovou o contrato com a Viação Rosa até o fim do ano e sinaliza que não fará licitação para contratação de uma empresa para o lote que era da Vitória.
O prefeito Herzem Gusmão já havia admitido essa possibilidade, mas, segundo ele, a operação era lucrativa para o Município. Estava enganado. Desde que passou a pagar por ônibus alugados e cobrar ela mesma a passagem, com uma intervenção na ATUV, a Prefeitura já teve um prejuízo de quase R$ 7 milhões. Enquanto isso, Câmara de Vereadores, Conselho de Transportes e Ministério Público assistem, passivos.
É importante ressaltar que a Viação Rosa não tem nada a ver com isso. Assim como é ela, poderia ser outra empresa a alugar ônibus para a Prefeitura.
Leia, a seguir ,os detalhes dessa história do prejuízo que o desinteresse do governo municipal pela licitação traz para Vitória da Conquista.
Com as preocupações voltadas para a pandemia do novo coronavírus, com foco no debate sobre funcionamento do comércio e nas polêmicas do governo municipal com o Ministério Público e com o Governo do Estado, tendo a Covid-19 no centro, alguns assuntos acabam não recebendo a atenção que merecem. Os aspectos legais do transporte coletivo estão entre eles.
O serviço não sai da pauta, é verdade, seja pela qualidade, pelo desconforto dos pontos de ônibus improvisados depois que o prefeito Herzem Gusmão resolveu derrubar o terminal de ônibus da Avenida Lauro de Freitas para começar a fazer uma estação de transbordo no lugar, seja pela ocorrência de superlotação de veículos, quando a recomendação é que transporte apenas a capacidade de pessoas sentadas.
Mas, quem se lembra que daqui a pouco mais de duas semanas, no dia 17 de julho, completa dois anos que a Prefeitura tirou 74 ônibus da Viação Vitória de circulação e desencadeou a maior crise no transporte público de Vitória da Conquista, com efeitos até hoje? Quem se lembra que 11 dias depois, o contrato com a Vitória foi encerrado, a empresa foi embora, a Cidade Verde assumiu as linhas, emergencialmente, até que, segundo o governo municipal realizasse contratasse uma nova empresa, por meio de licitação?

A confusão que veio daí em diante todo mundo lembra. No começo, parecia que a relação conturbada entre a Prefeitura e a Cidade Verde tinha se transformado em um harmônico e duradouro contrato, com afagos de lado a lado, isenção de ISS, aumento no preço da passagem. No fim do ano o contrato de emergência – que nunca existiu de direito – foi renovado. A paz durou até abril de 2019, quando a Viação Cidade Verde, acossada pela concorrência do transporte clandestino por vans, jogou a toalha e deixou de atender cinco linhas, conhecidas como “sociais” porque, com poucos usuários, têm baixíssima rentabilidade. A decisão da empresa foi consumada no dia 13, junto com o anúncio de que, no dia 31 de maio, ela deixaria todas as linhas que atendia emergencialmente.

Como já havia percorrido várias cidades do Brasil e não encontrara outra empresa de transporte para atuar nas mesmas condições da Cidade Verde, a Prefeitura fez um acerto rápido com a Novo Horizonte, de quem alugou ônibus e micro-ônibus comuns para atender as linhas sociais, e recorreu à Justiça para garantir que a Cidade Verde não parasse de atender às demais linhas emergenciais, deixando o transporte coletivo de Vitória da Conquista ainda mais capenga. No dia 10 de maio do ano passado a juíza da 1ª Vara da Fazenda Pública de Vitória da Conquista, Simone Chagas, concedeu liminar para que a empresa permanecesse operando também o Lote 1, que pertencia a Viação Vitória.
Um dia antes da medida judicial, o prefeito Herzem Gusmão determinara uma intervenção na Atuv, empresa criada pelas duas empresas vencedoras da licitação para administrar as contas da operação comum no transporte coletivo do município. Segundo a Prefeitura, a intervenção tinha como objetivo principal “garantir a continuidade do serviço público de transporte coletivo à população no período de transição até a contratação de uma nova empresa, que se dará através de processo licitatório”. Licitação que não aconteceu e não deve acontecer nesta gestão.
Apesar da palavra – e da promessa – aparecer em textos oficiais produzidos pela Secretaria de Comunicação (Secom) só houve um momento em que a administração municipal deu um passo na direção da licitação. E não foi para resolver o problema gerado pela saída da Viação Vitória ou para atender a exigência legal pelo fim do prazo da emergência (seis meses com uma prorrogação por igual período). Seria para substituir a Cidade Verde. Para entender, o leitor deve lembrar que Herzem tinha predileção pela Viação Vitória, que prometeu ajudar a se recuperar “depois de ter sido perseguida pelo governo do PT”. Pela Cidade Verde o sentimento manifestado era outro, pelos motivos inversos.
Há dois anos, no dia 29 de junho de 2018, o prefeito Herzem Gusmão mandou publicar no Diário Oficial do Município o decreto 18.725, ordenando que a Procuradoria Jurídica e a Secretaria de Mobilidade Urbana providenciassem, em caráter de urgência a licitação para contratação de uma nova empresa para explorar as linhas da Cidade Verde.
Herzem amparava a medida em liminar do juiz Ricardo Frederico Campos, que era o titular da 1ª Vara da Fazenda Pública de Vitória da Conquista, que determinou o cancelamento da outorga do lote 2 da Concorrência Pública 004/2011 (transporte coletivo), vencido pela Viação Cidade Verde. O juiz considerou que a licitação foi lesiva ao Município e determinou que a prefeitura realize um nova em 180 dias. Recurso da empresa derrubou a decisão e, desde então, nunca mais se tratou desse assunto na Prefeitura.
Nem mesmo porque a saída de Viação Vitória se deu há quase dois anos, já tenham se passado 684 dias da decretação da emergência (que era para ser de 30 dias, de acordo com o decreto número 18.833, de 17 de agosto de 2018) e exatos um ano e 18 dias que a Prefeitura, para se manter operando as linhas, usa ônibus alugados de uma empresa não licitada, com prejuízo milionário para o erário. E isso sem ação – efetiva – do Conselho Municipal de Transportes, da Câmara de Vereadores e do Ministério Público Estadual.

NOVO CONTRATO
No último dia 22 de junho, o Diário Oficial do Município publicou resumo de novo contrato assinado entre Prefeitura e Viação Rosa, com vigência até o dia 5 de dezembro e valor de R$ 2.623.347,28. A empresa tem dois contratos com o Município, um para as cinco linhas “sociais” e outro para as demais. O publicado na semana passada é para o primeiro caso. Pelas duas operações, a Rosa já recebeu R$ 23.745.338,01 em dois anos. Este ano, a Prefeitura já pagou R$ 10.317.669,84, só em junho foram R$ 1.397.057,86. O último pagamento feito foi no dia 22.
A relação da Viação Rosa com o sistema de transporte público de Vitória da Conquista é uma excrescência jurídica. A empresa recebe, em média, 1,978 milhão por mês, mas não tem qualquer responsabilidade com o sistema a não ceder os veículos, com motoristas e cobradores. Não desembolsou um centavo pela outorga (obrigação cumprida integralmente pela Cidade Verde e parcialmente), tampouco precisou cumprir outras exigências do edital de concorrência, como a instalação de abrigos de ônibus. Nessas condições ficou praticamente imune à crise surgida com a pandemia.
Quando o prefeito Herzem Gusmão acatou a ideia de a própria Prefeitura, por meio da Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) operar as linhas que eram da Vitória, passaram pela Novo Horizonte e pela Cidade Verde, o convenceram que o sistema era lucrativo e que os prejuízos alegados pela Cidade Verde eram reclamação sem razão de ser. O argumento era de que, com a arrecadação advinda da bilhetagem que o Município iria custear a operação das linhas. A Prefeitura teria lucro, disseram ao prefeito. E ele acreditou. Em entrevista gravada para o BLOG, no dia 27 de julho do ano passado, Herzem disse que a operação pela própria Prefeitura era tão lucrativa que ele chegou a pensar em não mais fazer licitação para contratar uma nova empresa. Mas, garantiu que faria.

O PREJUÍZO
Os números desmentem a previsão dos conselheiros do prefeito e o otimismo do próprio. Em 2019, a receita com passagens foi R$ 10.002.019,70 e a Prefeitura pagou pelo aluguel dos ônibus da Viação Rosa R$ 13.532.009,24, uma diferença – prejuízo de mais de R$ 3,5 milhões. Este ano, a arrecadação com a bilhetagem havia alcançado, até o dia 25 deste mês, R$ 6.824.260,00. Já os pagamentos à Rosa chegaram a R$ 10.317.669,84. Ou seja, em menos de seis meses a diferença a menor na receita já é de R$ 3.493.409,84.
Desde que passou a ser computada na arrecadação de Vitória da Conquista a espécie de receita “serviços referentes a navegação ao transporte”, como é denominada a arrecadação da bilhetagem do transporte coletivo, em a Prefeitura já arrecadou R$ 16.826.279,70 e pagou de aluguel de ônibus, no mesmo período, R$ 23.745.338,01. Ou seja: R$ 6.919.058,31 de prejuízo ao erário. Com a licitação, entraria nos cofres do município o valor da outorga, o equivalente em ISS pela exploração do serviço, e nenhum custo pela operação, que seria da responsabilidade da empresa vencedora
No entanto, enquanto isso, a licitação é uma obrigação esquecida no fundo da gaveta, da qual os órgãos de fiscalização nem se lembram.
NADA CONTRA A ROSA, SOBRE O TEMA

É importante ressaltar que a Viação Rosa não tem nada a ver com isso. Assim como é ela, poderia ser outra empresa a alugar ônibus para a Prefeitura. Cabe a ela, do ponto de vista do locador, que é o Município, entregar o que lhe foi contratado em condições de uso, enquanto durar o contrato. Do ponto de vista do usuário, o comprometimento é da da Prefeitura, da administração, do prefeito Herzem Gusmão, a quem recai a responsabilidade de fiscalizar e fazer cumprir as exigências de qualidade na prestação do serviço e de realizar a concorrência para regularizar a situação, acabando com o rombo no erário e demonstrando que falou a verdade quando prometeu que faria a coisa certa por Vitória da Conquista, inclusive no transporte público.